Rubem Alves, o Protestantismo Histórico e sua Crença em Deus

por Johnny Bernardo*

Após alguns minutos de oração na capela do campus da Universidade Metodista de São Paulo, soube, através de alguns funcionários da instituição, que o teólogo e humanista Rubem Alves havia falecido. A notícia, somada a da perda de João Ubaldo, um dia antes, caiu como uma hecatombe no cenário intelectual brasileiro. São duas figuras de renome, de grande contribuição acadêmica, embora com algumas diferenças pontuais. Um mineiro, outro baiano, respectivamente, entram para a História dada suas inegáveis contribuições à compreensão da dinâmica religiosa e social do Brasil. A morte de Rubem Alves, no entanto, é de maior impacto por conta de seu posicionamento com relação ao pertencimento religioso, da maneira como determinados grupos religiosos entendem e influenciam a sociedade, estabelecem relações com o mundo contemporâneo. De certo que o mineiro radicado em Campinas passou por um processo conturbado em seu relacionamento com o presbiterianismo, com o qual, na década de 70, travou duros debates, levando-o a publicar, em 1979, o livro “Protestantismo e Repressão”. Alves foi, sobretudo, um sobrevivente à repressão militar. Fundamento o presente artigo na análise de Leonildo Silveira Campos: “O Discurso Acadêmico de Rubem Alves sobre o ‘Protestantismo’ e ‘Repressão’ algumas observações 30 anos depois” (2008).

De intelectual, acadêmico, nos últimos anos Rubem Alves passou a se dedicar a uma linguagem mais leve, voltada ao dia-a-dia da sociedade, das necessidades da realidade em que os pobres se veem inseridos em uma mesma dinâmica, conjuntura social. Religião & Sociedade são as bases da análise de Alves desde pelo menos o fim dos anos 70, escrevendo em meio a Ditadura Militar. O que o autor e humanista procura fazer compreender é a necessidade de a Igreja ser mais progressista, aberta ao diálogo, compreensiva dos desafios sociais, presente na vida da comunidade, de seus membros. Profícuo escritor – é autor de mais de 120 livros -, conferencista e educador, Alves deixa como legado sua participação nos primeiros estudos do protestantismo histórico – antes apenas o catolicismo e as religiões de origem africana despertavam o interesse de intelectuais brasileiros e franceses. 

OLIVEIRA (1997:61) pontua que Rubem Alves ressalta a importância do surgimento do Protestantismo. Para ele, o espírito protestante não nasceu prisioneiro das amarras da instituição da razão, nasceu a partir da exigência dos corpos e sua teologia surge daquilo que as pessoas são. “De fato, o protestantismo tem muito a ver com a coragem para assumir a própria individualidade” (ALVES, Rubem. Dogmatismo e Tolerância. Loyola, 2004. p. 23). Os protestantes são marcados pela coragem de “[...} contrapor a voz da consciência individual à voz das autoridades constituídas” (Ibidem). Ao fazerem isso, completa OLIVEIRA, “os protestantes afirmam que o Espírito de Deus é livre e imprevisível. Ele não pode ser monopolizado pelas instituições. Essas ideias estão presentes na compreensão de que todas as pessoas que creem são sacerdotes”. Na prática, o que Alves e outros pensadores condenam, é a demasiada verticalização da fé, do estabelecimento de limites entre a fé e sociedade. Eles propõem uma teologia libertária, não menos espiritualizada, mas contextual. 

De forma antecipada, Rubem Alves é o primeiro a notar a característica mercadológica como os primeiros grupos neopentecostais se apresentavam na década de 70. Dessa forma, o autor amplia seu foco de análise ao se dedicar ao estudo da nova fenomenologia religiosa. Assim, no decorrer dos anos 1970, foi ficando cada vez mais claro para Alves que uma mentalidade empresarial começava “a produzir e a distribuir bens espirituais” no Brasil e que a lógica capitalista, fundamentada nos valores de troca e no utilitarismo, poderia provocar o atrofiamento da razão crítica. Comentando um instigante texto de Monteiro sobre Igrejas, seitas e agências, Alves (Vale 1979:111) perguntava: Estamos diante de um “fenômeno religioso” ou de uma “espiritualização da economia”? Monteiro morreu logo após, mas os comentários de Alves e as questões levantadas por eles ainda perturbam e estimulam pesquisas sobre novos movimentos religiosos brasileiros, particularmente os de perfil “neopentecostal”, a fortiori, a IURD. (CAMPOS 1997:107). A IURD inaugura a terceira fase, de acordo com uma metodologia de divisão do pentecostalismo brasileiro, de Paul Freston. 

Não obstante todas as contribuições acadêmicas, de compreensão da fenomenologia religiosa brasileira, Rubem Alves tem sido alvo de questionamentos por supostamente ter “abandonado a fé”, ou desenvolvimento uma “compreensão de Deus diferente da adotada pelo protestantismo”. Declaram-no ateu, agnóstico. Há sérias dúvidas quanto ao posicionamento teológico do autor, mas boa parte de seus mais de 120 livros versam sobre religião e teologia. Escreveu, dentre outros livros, “Creio na Ressurreição do Corpo”, “Pai Nosso”, “Da Esperança” e “O Deus que Conheço”, “Sobre o Tempo e a Eternidade”. Composto em forma de poema, “Pai Nosso”, de Rubem Alves, foi citado em setembro de 2013 no portal nacional da Igreja Metodista. Em “O Deus que Conheço” (2010, p.21), Alves deixa escapar: “Posso então responder à pergunta que me fizeram. É claro que acredito em Deus, do jeito como acredito nas cores do crepúsculo, do jeito como acredito no perfume da murta, do jeito como acredito na beleza da sonata, do jeito como acredito na alegria da criança que brinca, do jeito como acredito na beleza do olhar que me contempla no silêncio. Tudo tão frágil, tão inexistente, mas me faz chorar. Dizia o poeta Paul Valéry: ‘Que seria de nós sem o socorro daquilo que não existe?” Podemos classificá-lo como ateu, panteísta? Permanece a dúvida e a indagação.



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*Johnny Bernardo é jornalista, pesquisador da religiosidade brasileira e das relações entre religião e sociedade, administrador do blog de entrevistas Somos Progressistas e do grupo Cristãos Progressistas.

Contato: pesquisasreligiosas@gmail.com